domingo, 31 de maio de 2015

LIONEL MESSI, O ÓPIO DOS BONS BOLEIROS





Semaninha futebolística difícil de engolir. Desceu arranhando, quase entalando na garganta. Caiu pesada no estômago, como se fosse bloco de cimento. Azia e má digestão. Gastrite. Corpo pesado. Falta de ânimo. Depressão. Se eu quero falar sobre isso? Muito. Tragam o divã, por favor. Boleiras e boleiros, preciso desabafar. Prometo pagar a conta do analista. Precinho camarada, por favor. A grana anda curta. A economia do timoneiro Levy não ajuda, está de amargar. Nem adianta fazer planilhas, contingenciar verbas. A conta não fecha. Tome demissões, enxugamento de gastos, redução de salários. Depois do condomínio, da luz, do transporte, do mercado, da feira, do gás, da corda no pescoço, do desespero no final do mês, das madrugadas angustiadas de insônia, não sobra nem trocado furado para ver o time do coração no estádio. Se o bolso do torcedor está cada vez mais vazio, a criar teias de aranha, os ingressos estão cada vez mais caros, escorchantes, preços abusivos. Vá lá, somos malabaristas contábeis, e talvez até empréstimos e parcerias com investidores chineses faríamos, se os espetáculos estivessem valendo a pena. Teimosamente apaixonados, estaríamos lá, nas arquibancadas, às duras penas, acumulando dívidas. Mas o que estamos vendo em campo neste início de campeonato nacional é crime. De lesa humanidade. Não vale o menor esforço do torcedor. Alguém consegue me dizer, por obséquio, o que se anda jogando nas tais arenas do país? Porque futebol certamente não é mais. Já vi pelejas muito mais emocionantes e tecnicamente bem disputadas na areia da praia do José Menino, em Santos. Ou no antigo e saudoso Desafio ao Galo, sensacional certame que reunia esquadrões da várzea em São Paulo, nos anos 1970 e 80, manhãs de domingo. Sei não. Suspeito que o patrono do Brasileirão atual seja Morfeu. Os jogos dão um sono danado. São modorrentos. Chatos. Burocráticos. Eficientes apenas para acalentar cochilos no sofá, na frente da televisão ligada. Os olhos começam a pesar, impossível controlar, uma piscada, outra, mais demorada, a narração ficando longe. Uma pescada. Breve. Quando a gente abre o olho, achando que foram só uns minutinhos, o jogo já acabou. Sem dor na consciência. No último final de semana, vi cinco das dez partidas da rodada. O Santos atuou sem vontade, irritantemente descompromissado, como se atuasse num casado x solteiros qualquer. Perdeu da Chapecoense. O Joinville, que perdeu de três para o São Paulo, não tem condições sequer de pedir para participar do campeonato regional da minha vila. Com todo respeito à agremiação catarinense. Não dá. O Palmeiras é um catadão, amontoado, daqueles que a gente montava correndo numa manhã de domingo, quando um camarada avisava na última hora que tinha arrumado um jogo contra. Com dez minutos de Grêmio e Figueirense, lembrei que tinha que corrigir provas. O ex-boleiro e arremedo de comentarista Casagrande definiu com precisão única o que foi Fluminense e Corinthians ao dizer que teria sido muito mais interessante ter ido a uma peça de teatro do que ser obrigado, por dever de ofício, a comentar o jogo. Só Renato Cajá salva. E o FBI estadunidense prende. 'Só eu?', surpreendeu-se o ex-governador biônico e delator do jornalista Vladimir Herzog, quando arrancado do hotel de luxo na Suíça e levado para o xilindró, antes do início do congresso da famiglia FIFA. Outros seis dirigentes graúdos foram também. Falta ainda incluir nessa seleta lista padrão FIFA o ex e o atual mandatários da Confederação Brasileira de Falcatruas. Pelo menos.  Ainda vai ter manifestação contra a corrupção na avenida Paulista com indignados paneleiros usando a camisa da CBF? Para não ser preso, o empresário de marketing esportivo que começou a carreira na emissora global e que até hoje mantém relações umbilicais com a vênus platinada aceitou devolver uma bolada de quase 500 milhões de reais. Imaginem quanto não conseguiu acumular. Propinas. Chantagens. Cntratos fraudulentos. Valores estratosféricos escritos em guardanapos durante almoços nababescos acontecidos em restaurantes de luxo. Barganhas nos acertos de direitos de transmissões televisivas de campeonato. Não sei de nada. A administração anterior é que deve responder. Eu só fazia o que o presidente mandava. Apoio todas as investigações. A FIFA não pode controlar dirigentes corruptos. Se o Zé das Medalhas resolver abrir o bico... O futebol padrão FIFA de negociatas me jogou na lona. Quase fui à nocaute. Comecei a ter certeza de que somos todos, os que continuamos a acompanhar futebol, verdadeiros paspalhos. Boçais. Cretinos fundamentais. Imbecis sem salvação. Por que raios continuamos torcendo? Foi quando, golpe fatal, o grilo falante da cosnciência me lembrou que a fatídica semana ainda teve as pedaladas regimentais do Imperador Dudu I, que conseguiu aprovar na Câmara dos Deputados proposta que já havia sido rejeitada pela Casa. Uma colherada de leite de magnésia, por favor. O estômago arde. Amuado, resignado e mudo, no compasso da desilusão (como canta o príncipe Paulinho da Viola), liguei a TV no último sábado a tempo de ver o hino espanhol ser vaiado por 50 mil catalães e 50 mil bascos. Barcelona e Atlético de Bilbao, final da Copa do Rei - que, àquela altura, na tribuna de honra, parecia apenas se perguntar 'o que estou fazendo aqui?'. Com dez minutos de bola rolando, o comentarista alertava: Messi está sendo marcado de forma implacável. O argentino deve ter ouvido. Ficou irritado. Com vinte minutos, recebeu uma bola perto da linha do meio-campo. Ameaçou carregá-la para a esquerda, intermediária livre. Mudou de ideia. O melhor do mundo (lamento, ronaldetes, ele é infinitamente mais jogador que Cristiano Ronaldo) vive de desafios. Decidiu levar a pelota para bem perto da linha lateral. Faixa estreitíssima para manobras. Vários bascos no encalço dele. Com a redonda amistosamente grudada nos pés, como sempre faz, lá foi ele, bem sozinho. Iniciou o festival de dribles e canetas, em fila. Um, dois, três, quatro, cinco. Um dos zagueirões ainda tentou dar um rapa no argentino, por trás. Não achou nem a sombra do camisa dez. Eu e Daniel começamos a gritar. Golaço! Golaço! Que coisa linda! Que gol foi esse? Gênio! Gênio! Antológico! Começaram a chegar mensagens no face, no zapzap. Todas comemorando a obra-prima. Em êxtase, a torcida azul a grená urrava e reverenciava o craque. Minha depressão tinha sido rapidamente substituída pela euforia. Messi é o ópio dos bons boleiros. A mais pura e sublime seiva da flor de papoula. Enebria. Entontece. Entorpece. Anestesia. Faz hibernar os demônios e pesadelos. Cria realidades paralelas, nos transporta para outras dimensões. Multiversos que lembram, caramba, como é bom e maravilhoso gostar desse troço chamado futebol. Que gol foi esse, Lionel? Valeu a semana. Dane-se a FIFA. Aos infernos com dirigentes corruptos, ajustes fiscais neoliberais, Brasileirão modorrento, cunhas truculentos. Quero ver de novo seu gol. Outra vez. Mais uma. Novamente. Para quem sabe, simples mortal, tentar entender a maravilha que você desenhou com os pés.          

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