terça-feira, 29 de julho de 2014

PROCURA-SE BAKUNIN. PAGA-SE BEM

Era difícil se movimentar na sala discreta, acanhada e inundada por parafernália de fios coloridos pendurados em todos os cantos. Fumavam freneticamente. Era automático, em sequência, nem pensavam - acendiam um novo cigarro na bituca do outro, antes de finalmente apagá-la no pires de café que fazia as vezes de cinzeiro. Os olhos lacrimejavam. Pouco se importavam. Durante o dia, tinham matado meia dúzia de barras de chocolate. As embalagens vermelhas e melecadas ainda estavam rasgadas e jogadas no chão. Agora, mandavam ver em sanduíches do McDonald's. Dois Big Macs e dois Quarteirões. Batatas fritas. P1 limpou com o dorso da mão o filete de queijo cremoso que ficou preso no bigode. Virou de uma vez só um golaço de coca-cola, copo grande. Light. Soltou um arroto, falando quase o abecedário inteiro. P2 caiu na gargalhada. Maluco, pegamos aqueles terroristas de surpresa. Que maravilha. Os elementos nem tiveram tempo de se evadir, meu chapa. QAP. Certo, copiei. QSL. Valeu. TKS. Perdão, foi esse maldito rádio. Como estava dizendo, a operação foi nota dez. Tudo na maciota. Sigilo total. E a carinha daquele babaca daquele filhinho de papai que estava com a lata de vinagre escondida na mochila? Molotov puro. A namoradinha estava limpa. Mas o Vagnão foi mais esperto, rato velho, soltou um panfleto subversivo na bolsa da malandra. Foi enquadrada junto. Cretina. E agora fica esse povinho dos direitos humanos falando em prisões ilegais, fazendo campanha sem vergonha pela libertação desses terroristas. Porra, os caras são meliantes, sujeitos de alta periculosidade, ameaçam quebrar tudo, falam em revolução, pregam contra o tal de sistema. Formam quadrilha. Planejam atentados. E querem ficar soltos? Tem de prender preventivamente mesmo. Antes que a porcaria da merda aconteça. Se ainda não fizeram, vão aprontar. Pode ter certeza, meu irmão. Às favas com os escrúpulos de consciência. Ouvi isso outro dia, do chefe. Ele contou que é da época da ditadura. Outros tempos. Hoje a coisa é bem diferente. Só estou encafifado porque ainda falta o cabeça. É, o cabeça, maluco. O chefão. O que apita. O que manda. P2 fez sinal com as mãos, agitado. Rápido, para de falar e ouve. Ouve! Estão se falando! Vai, vai, vai! Sentaram imediatamente. P1 quase se estatelou no chão. Foi salvo pela pontinha da cadeira. O ossinho da bunda doía. Fones de ouvido a postos. Garranchos começaram a aparecer nas folhas de papel estrategicamente colocadas ao lado dos aparelhos de gravação. A ligação foi rápida, pouco mais de um minuto. Olharam-se. Quase ao mesmo tempo, arrancaram os fones, atirados longe, e saíram correndo. P1 empurrava P2, que atropelava P1, que tentava ganhar a frente de P2, que quase conseguiu passar um rodo em P1. Entre ombradas e pernadas, chegaram juntos à sala do delegado. Chefe, chefe, conseguimos, não falta mais nada. Quadrilha completa. Missão cumprida. Temos o nome do chefão da quadrilha! É, a ligação estava meio ruim, uns chiados. Mas deu para ouvir os dois subversivos grampeados falando em destruir o sistema, em anarquismo coletivista, em acabar com as classes. E citaram com todas as letras o sujeito que está inspirando esses atos terroristas todos. É o manda-chuva, vai na nossa, só pode ser. Chama-se Bacurin. Não, peraí, está aqui anotado. É Bakunin! Isso, Bakunin! Tenho certeza. Anotei direitinho, não tem erro. Ba-Ku-Nin. Veja aqui. Deve ser gringo. E precisamos ser rápidos, senhor, os tontinhos estavam saindo de casa para um seminário com ele. Sim, certeza, textos xerocados e tudo. Encadernados. Material explosivo. Onde? Na universidade. Federal. Se a gente acelerar, pegamos todos juntinhos, de uma tacada só. Perfeitamente, vou pedir os mandados de prisão e preparar a equipe. Preciso dos outros dados do tal Bakunin, Procura lá nos registros, P2, RG, CPF, filiação, endereço. Rápido e rasteiro. Chegou seu dia, Bakunin. Nos aguarde! E lá se foram os dois pelos corredores da delega, punhos e dentes cerrados, sem conseguir esconder a felicidade da conquista.

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