segunda-feira, 7 de julho de 2014

7 DE JULHO - FELIPÃO RECEBE UMA LIGAÇÃO

O técnico da Seleção Brasileira tinha acabado de chegar ao vestiário. Um por um, foi abraçando os jogadores, testa com testa, olho no olho, palavras de agradecimento pela entrega e dedicação durante a partida. Investiu tempo especial com Thiago Silva e David Luiz, autores dos gols. Estava eufórico com a vitória sobre a Colômbia, que garantiu a classificação para as semifinais da Copa. Mas transtornado e preocupadíssimo com a contusão de Neymar. As primeiras informações que chegavam do hospital onde exames de tomografia e de ressonância magnética tinham sido realizados eram ainda desencontradas. O cheirinho não era bom. Talvez o camisa 10 estivesse fora do Mundial. Entre cumprimentos e tapinhas nas costas, Felipão procurava os médicos. Queria notícias. Precisas. Sem especulações. Foi quando tocou o celular conhecido por poucos, pouquíssimos, quase o telefone vermelho do Batman, usado apenas em situações especialíssimas. Tirou o aparelho do bolso esquerdo da calça do agasalho. O visor não indicava o número. Mostrava apenas 'chamada privada'. Felipão sabia bem quem era. Atendeu já empinando a carrocinha. Pés no peito. 

- Bah, mas o que foi que tu fizeste!? Que palhaçada é essa?
- Felipão...
- Deixar machucar o Neymar? 
- Felipão, é o presidente do conselho dos deuses do futebol...
- Porra, sei bem quem é, guri. E sei bem o que aconteceu hoje aqui no Castelão também. Você tinha prometido, craques de todas as seleções nas finais. Conversamos reservadamente quando estive na igreja de Nossa Senhora do Caravaggio, antes da convocação. Tu me garantiu. O que eu faço agora?
- Felipão, me deixa explicar...
- Não tem explicação. Passou do limite. Mudei, passei a ser mais educado. Mas não tem jeito, são só facadas pelas costas. Vou precisar ser de novo o velho Felipão. Você conhece bem meu estilo. Se não gostar, paciência. Azar. O Neymar, che? Não podia ser o Jô? O Fred? Eu até entenderia...
- Ei! Pode parar por aí! Agora falo eu. Quem convocou Fred e Jô foi você. Os deuses não têm nada a ver com essa família 2014 que você montou. Tínhamos inclusive divergências. Nossa lista era outra. Mas respeitamos. Nossa responsabilidade era proteger os atletas. As opções foram suas. Só suas.
- Pois é, já me arrependi. Tu nunca ficaste arrependido? Nunca erraste? Se pudesse, trocava hoje mesmo um dos que chamei.
- Quem?
- Você sabe melhor do que eu. Não me obrigue a dar nomes. Lá sou gaúcho de bigode de oferecer cabeças dos meus comandados?
- Tem gente ouvindo a conversa? Você está sozinho? Por favor, ninguém deve saber que somos confidentes. Não pode vazar. O Murtosa desconfia de alguma coisa? Nem ele, Felipão. Nem ele.
- Ninguém sabe nem vai saber. Estou só, numa salinha escondida. Não enrole, guri. Tu me deve explicações. Convincentes. 
- Fomos traídos. A reunião do conselho que discutiu as quartas deliberou, por unanimidade, que os craques estariam sob proteção divina especial. Do jeitinho que acertamos. Foram explicitamente citados Messi, Robben, Schweinsteiger e Neymar. Saímos daqui com esse combinado. Alguém roeu a corda. Atuou em sentido contrário. Mobilizou energias divinas ocultas para machucar o dez brasileiro. Já determinei investigação. Punição severa. Estou desconfiado de que alguém por aqui torce com entusiasmo por uma imagem da Dilma entregando a taça para os argentinos, no Maracanã. Por razões não exatamente desportivas. 
- Porra, guri, tu fala das minhas convocações... mas que raios de comandante é você, que não consegue controlar seus subordinados? Não há hierarquia nessa família do Himalaia? 
- Talvez alguma entidade esteja com ciúmes do seu sucesso. Sabe como é, segundo título mundial. Provoca melindres mesmo. Tem gente que não lida bem com o sucesso dos outros, tem ressentimento. Pote até aqui de mágoas.
- Deuses lá têm ciúmes, raivas, invejas, ressentimentos?
- Deuses são sempre um pouco humanos. Falíveis. Pecadores. Não tem jeito.
- Ciúmes de homem? Pô, mas está errado. Muito errado. Ciúmes de mulher, vá lá, até entendo. Mas ciúmes de homem?
- Felipão, o fato é que o Neymar não vai mais poder jogar. Não adianta agora ficar divagando sobre que tipo de ciúme é aceitável ou chorando o leite derramado. 
- Ah, vá... agora conta outra. E o que você me sugere, sabichão?
- Bem, estou tentando raciocinar. Situação parecida com essa só tínhamos vivido em 1962. Só que lá foi por descuido mesmo. Não achamos que seria necessário fechar o corpo dos boleiros. Erramos. Equívoco de avaliação. Pelé se machucou. Essa é outra diferença - ninguém quebrou o Rei. Ele se contundiu sozinho. Medida de emergência, forjamos Amarildo, o Possesso.
- Tu quer me dizer que basta encontrar novo Amarildo?
- É isso.
- Guri, tu sabe bem que o responsável por aquele título foi o Garrincha, que jogou por dois. Por três. Pelo time inteiro. Fez gol, cruzou, driblou, marcou no campo de defesa. Fez chover. Não preciso de um Amarildo. Me diga, com sua sobrenatural e onipresente inteligência divina, onde raios eu acho agora outro Garrincha...
- Bernard?
- Ele tem alegria nas pernas. Mas não tem as pernas tortas. Nem é a alegria do povo. Jogou em alvinegro. Mas não era o Botafogo. Não sabe fazer fila de joões. Próximo.
- Difícil.
- Se fosse fácil, tu imagina que eu estaria nessa aflição? Acho que vou convidar uns jornalistas amigos para uma conversa. Preciso me aconselhar, ouvir outras opiniões. 
- Não recomendo. Já deu encrenca.
- Ciúmes de homem de novo? Tem jornalistas de quem gosto mais, com quem me dou melhor, ué. Qual o problema? Vou continuar falando com eles. Não gostou? Vá para o inferno.
- Felipão, tome tento. Olha o palavreado.
- Me desculpe. Estou nervoso. Você não sabe o que é comandar essa Seleção favoritaça numa Copa no Brasil. Muita, muita pressão, guri. Até ingressos os caras querem que eu arrume. Por acaso sou o Lamine Fofana? E aposto que a FIFA não quer ver o Brasil hexa. Está jogando contra.
- Entendo. Mas você também não faz a menor ideia do que seja administrar espiritualmente um torneio de futebol dessa envergadura. Exige muito. É extenuante. Estamos no limite das nossas forças divinas. As entidades todas se mostram muito cansadas. Não é simples conciliar interesses e egos. E agora, para piorar, ainda tem essa história da traição. Quer trocar de lugar comigo?
- Não, guri.
- Tudo bem. Pode ao menos emprestar por algumas horas a Regina Brandão? O pessoal aqui em cima anda meio abalado. Alguns choram muito. 
- Empresto. Mas devolve rápido. Ela já marcou um papo com o pessoal na Granja. Seja discreto. Porque essa imprensa daqui me enche o saco. Não entende que essa é a programação normal, que já estava acertado, que tem um cronograma de atividades. Vivem espalhando boatos, interpretam da maneira que bem entendem. Não tem jeito. Aí entro distribuindo bordoadas mesmo. 
- Sejamos práticos. Não temos muito tempo. Cuida do corpo. Eu me encarrego dos espíritos. 
- Na prática....
- Deixa os jogadores curtirem um pouco o luto. É fundamental. Rito de passagem. Faz o Neymar dormir essa noite na Granja. É importante. Ele precisa falar, chorar, os companheiros precisam chorar, concretizar essa perda. Desde já, levanta o moral dos caras. Motiva. Lembra que agora o Brasil é aventureiro, franco atirador. Tira o peso das costas deles. Apresenta outras situações onde o favorito perdeu. Você sabe fazer isso como poucos. Agora, treina também. Muito. Como se não houvesse amanhã. Trabalha situações diferentes. Willian, Ramires, Paulinho, Hernanes, Bernard... 4-4-2, 4-3-2-1, 4-3-3, 5-3-2. Sei lá. Despista o técnico da Alemanha. 
- Bonito, guri. Bem bacana. Mas até aqui, só eu estou trabalhando. Qual a parte que te cabe?
- Vamos redobrar os cuidados. Prometo. Dessa vez, sem deslizes. Energias positivas, bençãos e mandingas de todas as naturezas com generosidade especial para a Seleção Brasileira. É situação de exceção. Para ao menos amenizar a besteira que permitimos acontecer.  Igualar de novo a disputa. É justo. Dever ético divino. Sai o craque. Entra o Sobrenatural de Almeida.
- Bah. Vão dizer que a Copa foi comprada pelo Brasil.
- Te dei recibo?
- Não.
- E, sem querer ofender, mas tem babaca que vai dizer essa sandice de qualquer jeito, em qualquer situação. Os profetas da fracassomania ainda não se conformaram. Paciência. 
- Vou confiar. 
- Corre lá para o vestiário. Estão te procurando. E não esqueça - não conte para ninguém que conversamos. Nem para a dona Olga Scolari.
- Dona Olga nem de longe imagina que tenho livre acesso ao Himalaia.
- Até.
- Abraços.
- Felipão....
- Diga, guri. Rápido.
- EU ACREDITO!

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