domingo, 20 de abril de 2014

O TORCEDOR, ESSE RIDÍCULO

O xará Xico Sá escreveu em sua coluna (“García Márquez e o futebol”) de sábado (19 de abril) na Folha de São Paulo que o genial escritor colombiano, autor do clássico “Cem Anos de Solidão” e prêmio Nobel de Literatura, rendeu-se aos encantos do futebol e deu-se conta de que tinha virado torcedor (tardiamente, é verdade, aos 23 anos) quando constatou que “ao ver a bola rolando em campo, havia perdido o senso do ridículo”. Bingo. Talvez seja essa uma das mais precisas definições de “torcedor” – não espanta, portanto, que tenha sido formulada pela mente brilhante de Gabo. Porque, quando a gente torce, é capaz de expulsar a sogra da sala, sem dó nem constrangimento, com todas as letras e altivez, sem pensar nas consequências para o casamento, se achar que ela está dando azar para o time do coração. Vale usar a mesma roupa durante as 38 rodadas do campeonato, às vezes sem deixar lavar a indumentária, dependendo da importância da partida (se for decisão, nem pensar!), incluindo calça furada bem na bunda. Um baita rombo. Quem quiser que olhe. Dane-se. Ridículo. E daí? A calça é minha, a bunda é minha. Torcer significa ficar de joelhos na frente da telinha da TV – ou na arquibancada no estádio – na hora da cobrança de qualquer pênalti, mesmo que as hérnias da coluna e as tendinites e estalos do joelho digam “não faça isso, por favor”.  Quando a gente torce, mas torce mesmo, com a alma, fala um bando de palavrão pela janela, com o vizinho do apartamento do lado olhando espantado e pensando com os botões dele “caramba, esse sujeito é tão educado e pacato quando não tem futebol, me cumprimenta toda vez que me encontra no elevador, mesmo que sejam seis da matina e o sono venha inevitavelmente acompanhado de um péssimo humor, daqueles de querer chutar o primeiro que aparece pela frente”. Não tem problema também ficar sem tomar banho em dias de jogos, se a experiência, por acaso, deu certo numa vitória qualquer – e precisa, obviamente, ser repetida. Em time que está ganhando não se mexe. Em caso de derrota, todos os aparelhos de televisão serão automaticamente desligados, para não correr risco de, naquela zapeada, parar em algum programa esportivo que esteja exibindo os gols do adversário. Quer ver telejornal? Vá procurar em outra freguesia. Jornais impressos ficam também suspensos. Perder um jogo é quase motivo para cancelar a assinatura. Nada de análises táticas, de notas para os boleiros, de próximos jogos. Faz bem dar um descanso para os olhos, buscar outras leituras, não esportivas. É saudável. Ajuda a mudar de assunto. Em situações extremas, aqueles resultados vexatórios, é permitido ficar alguns dias sem falar com a esposa, com a namorada, com a mãe, com o pai, com o irmão, com o filho, com o melhor camarada, com o mundo, cara fechada, expressão de pouquíssimos amigos, até que o remédio para o fígado e o cotovelo façam finalmente efeito. Pois é isso, Gabo, torcedores somos ridículos mesmo. Fazemos cada coisa... E esse ano ainda tem Copa do Mundo no Brasil, imagine você. Fico por aqui. Vou lá vestir meu uniforme da sorte. É domingo de estreia do Santos no Brasileirão. Precisamos começar com três pontos na tabela. Continua torcendo por um mundo melhor daí, a gente vai tentar fazer a nossa parte daqui. Serão anos eternos de solidão, nesses tempos de desamor e de cólera. Cuide-se e fique bem. Obrigado por tudo. 

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