segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

COMO SOBREVIVER AOS ROLEZINHOS

O manual de sobrevivência aos rolezinhos, escrito com esmero pelos donos de shoppings centers, recomenda que:

- ao primeiro sinal de proximidade dos "diferenciados", cuidado, não demore: todas as lojas devem ser imediatamente fechadas. Recolha e esconda os produtos até então escancaradamente exibidos nas vitrines e prateleiras. Os bárbaros se aproximam;

- o mesmo procedimento deve ser adotado com as rotas de acesso aos shoppings. Ninguém entra, ninguém sai (só os que forem verdadeiramente civilizados e amigos dos reis, selecionados provavelmente de acordo com o saldo da conta bancária, o limite do cartão de crédito, o tipo do carrão que vai ficar guardado no estacionamento);

- nessas rotas de entrada, aliás, serão posicionados seguranças com caras de pouquíssimos amigos e a ordem expressa de não deixar passar qualquer "elemento estranho". Prestem bem atenção nas roupas, nos bonés, nos tênis, nas gírias, nas músicas... Os rolezeiros são facilmente identificáveis;

- a Polícia Militar precisa ser imediatamente acionada, com urgência, para controlar os 'tumultos' (mesmo que eles não aconteçam, nem de longe). Se for preciso usar gás lacrimogênio e balas de borracha para conter a molecada, paciência, é o preço que deve ser pago para garantir a 'manutenção da ordem';

- páginas nas redes sociais que convocam os rolezinhos devem ser retiradas do ar. Não, claro, não é censura, mas medida de prevenção para 'evitar o pior';

- sugere-se também entrar na Justiça para conseguir liminares que garantam o 'sossego em espaços privados', proibindo que esse espaço seja frequentado por arruaceiros e cavalões (essa expressão foi inclusive usada por ilustre senador da República, eleito pelo PSDB de São Paulo com expressiva votação);

- do governo federal, exige-se que chamem os 'líderes do movimento' (eles existem?) para uma conversinha. É preciso, afinal, enquadrar e criminalizar quem participa desses atos, estabelecendo as devidas punições, para proteger as 'pessoas de bem'.

Truculência, força, repressão, proibição, intolerância, convocações para depoimentos em delegacias - foi só o que conseguiram oferecer até aqui. E ainda há quem diga e sustente que não se trata de segregação, de discriminação, de apartheid social. São os mesmos que garantem que o Brasil é uma democracia racial, seguimos muito bem, obrigado. E que juram que a homofobia, o machismo, a matança de indígenas e as fraturas sociais são invencionices de certa 'esquerda caviar' (e como é fácil adjetivar e criar rótulos de fácil repetição, mecânica e robotizada, que servem apenas para empobrecer o debate e reproduzir o senso comum).

Jessé Souza, sociólogo e professor da Universidade Federal de Juiz de Fora, que nos últimos anos tem se dedicado a estudar os 'remediados' da nação (ou a ralé brasileira, expressão que ele usa), afirmou, em entrevista ao suplemento Aliás do jornal O Estado de São Paulo, que "esses fatos são mais um reflexo do apartheid brasileiro que separa, como se fossem dois planetas distintos, o espaço de sociabilidade dos brasileiros "europeizados", da classe média verdadeira, e os brasileiros percebidos como "bárbaros", das classes populares. Desde que a barbárie fique restrita ao mundo das classes populares, ela não é um problema real. E a classe média finge que se choca de tempos em tempos com o que acontece nas prisões - como se todo mundo já não soubesse o que lá acontece, como os alemães com os campos de concentração na Alemanha nazista - ou com a violência nas favelas."

É essa reação histérica, cínica e reacionária que tenho procurado discutir por aqui nos últimos dias.

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