sábado, 3 de novembro de 2012

MARCOS VALÉRIO ACUSA. IMPRENSA REPERCUTE. MAS NINGUÉM MOSTRA PROVAS. PODE?


Um minutinho de responsável e necessária reflexão, por gentileza, para que possamos avaliar os estragos causados pelo Supremo Tribunal Federal (SFT) ao definir recentemente condenações com base no "é impossível que não soubesse" e no tal "domínio do fato". A partir dessa decisão, divisora de águas, o que parece estar sendo consagrado e enraizado no país é a inversão total do princípio da presunção da inocência ("todos são inocentes até que se prove o contrário") - este sim um dos pilares de sustentação da democracia. 

O empresário Marcos Valério vem a público agora para fazer acusações gravíssimas contra o ex-presidente Lula, o ex-ministro Antonio Palocci e outras figuras importantes do PT, envolvendo na lista de suas novas "denúncias" inclusive o assassinato do ex-prefeito de Santo André, Celso Daniel. Os jornalões e panfletos que pretendem ser revistas reproduzem e reverberam indiscriminadamente essas acusações, apenas se pautando nas falas de Valério, sem qualquer investimento sério e responsável em apuração jornalística. Se ele falou, está falado. A palavra de Valério é tomada e vendida como a máxima expressão e verdade dos fatos. Cria-se um círculo vicioso, numa reação articulada em cadeia - com cristalino propósito de agendar e pautar a opinião pública (ou publicada). O STF, por sua vez, entra firme no jogo e já acena com a possibilidade de oferecer proteção para Marcos Valério. 

Mas, caramba: será que foi só agora que o empresário mineiro lembrou-se de que tinha tais informações tão contundentes? Estava com a memória fraca? Durante mais de seis anos, até para garantir sua absolvição ou redução de pena, teve inúmeras oportunidades de jogar essa lama no ventilador e não o fez... por quê? Só agora, que foi condenado a 40 anos de prisão, é que resolveu botar a boca no trombone, derrubando e contradizendo inclusive tudo aquilo que já tinha sido dito e apresentado pela defesa dele, no julgamento do Supremo, como representação da verdade? Então tudo aquilo que a defesa dele apresentou no STF pode ser considerado como informações que não correspondem à realidade dos fatos, jogo de cena? Como assim? O que vale, afinal: o que ele dizia antes? Ou o que passa a afirmar agora?

E a publicação semanal da maior editora do Brasil, por que não revela o áudio da fita que diz ter com a conversa com Marcos Valério? E os demais veículos, por que se deixam apenas pautar por "matérias" publicadas por outros veículos, num acordo de cavalheiros que significa apenas repetição de suposições e de ilações, sem apuração independente e consistente? O texto da Folha é acintoso e representativo dessa dinâmica: "Segundo o jornal "O Estado de São Paulo", Valério prestou depoimento a Gurgel no fim de setembro, quando teria mencionado Lula e o ex-ministro Palocci. Reportagem da revista "Veja" desta semana afirma que Valério teria informações sobre o envolvimento do PT com o assassinato do prefeito petista de Santo André, Celso Daniel, em 2002". Notem: é tudo construído na base do "ouvi dizer" (de outras fontes) e no condicional (teria mencionado, teria informações...). Cadê a notícia? Cadê a reportagem?  

Essa prática tem nome: denuncismo. Como escreve Felipe Pena no livro "Teorias do Jornalismo", "jornalismo investigativo não se baseia em denúncias, apenas começa com elas. A base mesmo é uma sólida pesquisa por parte do repórter". Lamentavelmente, além de espetáculo e entretenimento, Jornalismo se transformou também na arte de narrar para chantagear cidadãos e governos, em nome de uma ferrenha e truculenta oposição política, por conta da incapacidade de aceitar as regras do regime democrático - e recentes derrotas eleitorais. Quem não vence nas urnas tenta ganhar no grito, com ameaças.

Por que, no limite, o STF não exige que Marcos Valério revele então as provas que diz ter, obrigando-o a tornar públicos os documentos, gravações, contratos e extratos de operações financeiras capazes de colocar fim ao disse-que-disse? Quem acusa tem o ônus da prova, não? Ou será que passamos a viver num "Estado Democrático de Direito" onde qualquer um pode fazer a acusação leviana que quiser e bem entender, a qualquer tempo - e o sujeito acusado é que deve correr para provar que é inocente? Será que agora passamos a viver sob o domínio do "você é culpado e dane-se se não conseguir demonstrar o contrário"?  

Sei que a leitura desse texto já levou mais de um minuto. Não foi tempo perdido, avalio. Continuemos refletindo mais um pouquinho. Porque é de Democracia que estamos falando.

Um comentário:

  1. A tal denúncia, muito provavelmente, sequer chegará a ser apreciada pelo Poder Judiciário. Trata-se apenas de matéria prima para essas reportagens sem pé nem cabeça dos denunciadores de sempre. Como sempre, a coisa não irá a lugar nenhum. Afinal de contas, de onde menos se espera e de onde geralmente não sai nada mesmo. Quem é Marcos Valério para apontar o dedo para eventuais malfeitos alheios? Qual a credibilidade que merece? Na verdade, as denúncias de Marcos Valério são vendidas como prova que neste exato momento estaria sendo avaliada pelo Poder Judiciário, em processo no qual Lula figura como réu. Ora, uma análise superficial dos fatos revela o seguinte: Lula não está sendo acusado de nada no judiciário. Mas é réu perpétuo em certos veículos de comunicação. É disso que tratamos nesse novo caso de Marcos Valério. Mais uma vez a imprensa empresarial tenta dar uma de xerife. Tem tudo para, mais uma vez, dar com os burros n'água.

    ResponderExcluir