segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

CONSEGUEM OS PETISTAS EXPLICAR A ALIANÇA COM KASSAB?

Foto - Agência Estado (dezembro 2011)
O trator passou primeiro por cima da pré-candidatura da ex-prefeita Marta Suplicy, que desejava disputar a indicação do Partido dos Trabalhadores para novamente concorrer à administração municipal paulistana. Não cabe aqui discutir se ela seria efetivamente a escolha mais adequada, se teria densidade e viabilidade eleitorais, se representaria um projeto político capaz de promover certo renascer da cidade, depois de oito anos de demo-tucanismo-kassabismo.

O fato é que Marta tinha o legítimo direito de pleitear a vaga; e o PT tinha o dever de promover prévias para definir seu candidato à Prefeitura de São Paulo, consagrando uma prática historicamente defendida e respeitada em tantas outras situações pelo partido, justamente como exercício de um mecanismo que é tido politicamente como sinônimo de vida partidária oxigenada e democrática. Foi também essa mesma dinâmica de embate e debate internos uma das principais responsáveis, em eras remotas, por abrir espaço para que segmentos importantes da sociedade e da cidade, incluindo periferias e movimentos sociais, pudessem participar de forma mais viva e pulsante da definição não só do candidato, mas da construção de projeto político coletivo e de bandeiras de luta que posteriormente seriam defendidas publicamente durante a campanha. Era um PT que se definia como de massas e popular. 

Foi-se o tempo. O PT preferiu sucumbir às benesses do poder e aos ditames do lulismo e aceitou, submisso, praticamente em silêncio e cabisbaixo, sem resistência, tal qual alguém que apenas reage mecanicamente para cumprir ordens, que o ex-presidente Lula falasse grosso, apontasse o dedo e resolvesse sozinho: "o candidato será o ex-ministro Fernando Haddad".

Nas últimas semanas, o trator político se movimenta perigosamente, de forma ardilosa e com voracidade para consagrar mais uma ação política devastadora: o ex-presidente da República determinou que o PT considere seriamente a possibilidade de aliança com o PSD do prefeito Gilberto Kassab, que teria a prerrogativa de indicar o candidato a vice na chapa de Haddad. Petistas e kassabistas se juntariam para derrotar os "adversários" do PSDB (que, pelos sinais emitidos até agora, não terá José Serra como candidato. Mas...). 

A "sugestão" do grande líder se transformou rapidamente em possibilidade concreta. Declarações dadas por importantes lideranças regionais do PT e publicadas pela grande mídia nos últimos dias são de arrepiar. O vereador Francisco Chagas afirmou que "nosso diálogo com Kassab não é artificial, irreal ou fora de contexto. O PT não pode mais ser um partido sectário". O também vereador Senival Moura completou: "Se há esse entendimento por parte do ex-presidente Lula, que tem uma visão muito ampla da política, e ele acha que isso é bom para o PT, não tem motivos para os vereadores se posicionarem contrariamente". Arselino Tatto foi taxativo: "Se o Lula é favorável, eu sou favorável. A opinião dele dentro do partido é muito forte. Para ganhar dos tucanos, temos que fazer todos os esforços. Apoio não se recusa".  Tudo isso sem contar os elogios rasgados feitos pela presidenta Dilma Rousseff ao prefeito Kassab em evento realizado durante o aniversário da cidade ("é um político agregador, capaz de unir pessoas diferenciadas"), 

Logo se vê que o lulismo transformou-se em fenômeno muito maior e mais relevante que o petismo - e o primeiro acaba por emparedar e engolir o segundo. O que resta é a vontade pessoal de uma liderança que tem e fez história, reconhecidamente, mas que passa a ser vista como infalível, inquestionável, pairando acima do bem e do mal, num messianismo tão nefasto quanto despolitizante. Diante da figura de Lula, todos se ajoelham, ninguém questiona, somem alternativas, críticas ou divergências. Fica apenas a obediência cega. Se o chefe mandou... Voto - ou aliança - de cabresto. Coronelismo partidário, se preferirem. Saudades de um PT que ficou perdido em algum lugar do passado.

As vantagens que Kassab pode alcançar com a possível (seria arriscado dizer provável?) aliança são evidentes: gratidão do governo federal (que pode se reverter em verbas e cargos públicos), verniz político de esquerda, vitamina eleitoral para interferir na disputa municipal deste ano como protagonista, além de já se posicionar bem em relação à sucessão estadual, em um possível enfrentamento com a candidatura à reeleição de Geraldo Alckmin, em 2014, quando poderá cobrar a fatura e exigir apoio do PT (ainda que seja em eventual segundo turno).


E o PT? Será que tem mesmo algo a ganhar? Vai correr o risco de ver sangrar e sacrificar votos que são identificados com o que ainda resta da história do partido, como os que se originam de setores da periferia e da intelectualidade? Será que as lideranças petistas que defendem a aliança estão mesmo convencidas de que conquistarão por simples atração os votos das classes médias conservadoras de São Paulo, que mantêm a ojeriza ao partido, por conta daquilo que ele já representou um dia? 

E, ainda que a vitória eleitoral venha, terá valido a pena, politicamente, a longo prazo, se mancomunar com as ações higienistas de Kassab, a demonização dos movimentos sociais, a militarização das subprefeituras, a especulação imobiliária, o abandono do transporte público, o sucateamento da saúde e da educação, a perseguição aos moradores de rua? Aliás, defenderá o PT em campanha todas essas práticas tipicamente kassabistas? Vai se sujeitar a aparecer na TV chancelando a truculência da Polícia Militar na Cracolândia, por exemplo? Mesmo que a prefeitura seja reconquistada, terá valido a pena ter oferecido lastro político e ter feito aliança com aquele que por sua vez não cansa de se anunciar como aliado de primeira hora de José Serra, um obcecado pela Presidência da República? 

Gostaria muito que o silêncio quase absoluto (sim, é preciso reconhecer, vozes pontuais e isoladas, quase heróicas, têm manifestado estranhamento e oposição à aliança) fosse rompido e que os petistas - e tenho ainda amigos, a quem respeito, no partido - estivessem dispostos a debater publicamente todas essas questões. Gostaria muito de ouvi-los contestar a aliança com Kassab. Sem medo do lulismo. 

3 comentários:

  1. Filho-depois que Collor e Lula abraçaram-se, se não me engano, na campanha da Dilma, nada mais me assusta ou me surpreende.
    Este é o país que,nos meus tempos de estudante de direito, lutamos por um país melhor e menos corrupto, mais justo e fraterno.
    E vivam "nossos políticos".
    beijos,
    seu pai.

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  2. Militância fanática e guerrilha governista darão um jeito de justificar, apoiar e, se vencer, dizer que São Paulo mudou como nunca, mesmo com sangue jorrando, como no resto do país, vide Guarani-Kaiowá, Belo Monte, etc..

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  3. Acredito que o PT está fazendo essa aliança que até tempos atrás seria absurda, somente pela ânsia ao poder que o partido nutre. E para conseguir esse feito, infelizmente é necessário conquistar a parte elitista e higienista dos votos da capital.

    Na verdade se formos pensar faz tempo que o PT trocou a ideologia pelo poder. Então, não é tão estranho esse tipo de aliança. Afinal o poder vale mais que as bandeiras que construíram o partido. Um pena

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