sábado, 19 de março de 2011

VEJA, O PANFLETO QUE ESCONDEU A ENTREVISTA DE JOSÉ ROBERTO ARRUDA

O tiroteio verbal não deixou pedra sobre pedra. A entrevista de José Roberto Arruda, ex-governador do Distrito Federal, publicada pelo site da revista Veja no final da tarde de quinta-feira, 17 de março, é demolidora. Praticamente todos os demo-caciques foram citados - e bombardeados. 

Arruda, que em 2010 passou dois meses preso na sede da Polícia Federal em Brasília por ser o líder do esquema que ficou conhecido como "Mensalão do DEM" (arrecadação e farta distribuição de propina a aliados), afirmou à revista que, por ser o único governador do Democratas, "recebia pedidos de todos os estados. Ajudei todos". Garantiu que "tudo sempre foi feito com o aval do deputado Rodrigo Maia (então presidente do DEM)". Lembrou que, em 2008, recebeu em sua casa o senador Agripino Maia (RN), que tinha ido pedir "ajuda e 150 mil reais para a campanha da candidata à prefeitura de Natal, Micarla de Sousa (PV)". Já o senador Demóstenes Torres (GO) teria solicitado ao ex-governador a contratação "de uma empresa de cobrança de contas atrasadas". 

A lista de demos ilustres e de favores não pára por aqui. Na entrevista, Arruda revela ter sido procurado pelo deputado federal Ronaldo Caiado (GO), que acabou por intermediar encontro  do ex-governador com um empresário do setor de transportes, "que queria conseguir linhas em Brasília". Rodrigo Maia não foi poupado: "consegui recursos para a candidata à prefeita dele e do Cesar Maia no Rio, em 2008". Sobraram estilhaços ainda para ACM Neto. "Obtive doações para a candidatura dele à prefeitura de Salvador". 

Por fim, artilharia pesada também foi dirigida para os aliados tucanos, mais uma vez citando nomes. "No caso do PSDB, a ajuda também foi nacional. Ajudei o PSDB sempre que o senador Sérgio Guerra, presidente do partido, me pediu. E também por meio de Eduardo Jorge, com quem tenho boas relações".

Os demo-tucanos citados reagiram atacando Arruda e berrando aos quatro ventos que o ex-governador é um "bandido, deliquente e vagabundo". Isolado e acuado, Arruda pode estar mandando recados e lembrando que é arquivo vivo de muitas das maracutaias conduzidas pela oposição. Os que acusam o golpe e tentam desqualificar o ex-governador, no entanto, não são mais santos - bem ao contrário, parecem ter deixado rastros também imundos e pouco republicanos no trato com a coisa pública. Diga-me com quem andas e te direi quem és, lembra o sábio dito popular. Se até bem pouco tempo todos estavam juntos... 

A entrevista escondida
Esse enredo de comportamentos desprezíveis consegue ainda guardar mais um ato lamentável e absurdo: de acordo com Nélio Machado e Cristiano Maronna, advogados de Arruda, a entrevista foi feita pela revista Veja em setembro do ano passado, ainda antes do primeiro turno das eleições presidenciais, mas publicada apenas agora, seis meses depois da disputa. 

Uau! A mesma Veja que não mediu esforços para tentar detonar a candidatura de Dilma Rousseff (polvos, dossiês, grampos, capas contra a ex-ministra Erenice Guerra, ilações sobre o PT ser contra a liberdade de expressão, amplo espaço para o "ataque selvagem" contra Serra no Rio de Janeiro, na farsa da bolinha de papel) não teve pudores em esconder as declarações contundentes de Arruda e em não publicar o explosivo material contra os demo-tucanos. 

Não custa lembrar que o processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Melo começou com uma entrevista do primeiro-irmão Pedro, veiculada pela mesma Veja; também o escândalo do mensalão do PT teve início com a entrevista do então deputado federal Roberto Jefferson, divulgada pela Folha. Ah, o estrago que uma entrevista pode causar - quando, claro, é de interesse da mídia e chega ao conhecimento público!

Não é preciso portanto queimar muita pestana e neurônios para concluir que o silêncio pretendeu claramente proteger a candidatura de José Serra que, naquele momento crítico da campanha, corria sério risco de ser derrotado no primeiro turno. A entrevista poderia ter representado o prego no caixão demo-tucano. 

Mais repugnante ainda (se é que é possível): como a seguir roteiro de acordo de cavalheiros, até mesmo a repercussão das declarações de Arruda agora divulgadas por Veja (aliás, por que no site, e não na edição impressa do final de semana?) foi bastante tímida. E estou sendo  otimista, pois o que a rigor aconteceu foi que os aliados jornalões Folha de São Paulo e O Estado de Paulo "esqueceram-se" (sim, só pode obviamente ter sido um lapso de memória dos diretores de redação...) de destacar em suas primeiras páginas, nas edições desta sexta-feira, 18 de março, as graves acusações feitas pelo ex-governador do DF. As matérias com o conteúdo da entrevista explosiva foram espalhadas sem alarde pelo noticiário político "normal", ficando diluídas e escondidas. Nas edições de sábado, 19 de março, novamente nenhuma linha sobre o assunto nas primeiras páginas.

A pergunta que não quer calar e que está reverberando pela blogosfera é: se não publicou a entrevista quando a conversa de fato aconteceu, por que Veja decidiu fazê-lo agora? O que teria motivado a revista a mudar de ideia - e de estratégia política? Estaria se sentindo ameaçada ou pressionada pelo próprio Arruda? Seria medo de ser "furada" por publicação concorrente e de acabar sendo desmascarada? Ou, como questiona o jornalista Rodrigo Vianna, a entrevista seria "um recado de José Serra aos demos que se aproximam de Aécio Neves (PSDB/MG), já que a nova direção do DEM está alinhada com o senador mineiro?". O ex-governador paulista é bastante conhecido por enviar "mensagens cifradas" aos adversários por meio dos veículos de comunicação. E acumulam-se as evidências de que as brigas intestinas pelo controle do PSDB são cada vez mais virulentas.

O silêncio e a manipulação
Será preciso acompanhar de perto o episódio para que as respostas possam ser mais precisas - por enquanto, são hipóteses e sugestões. O fato é que, mais uma vez, Veja reforça sua asquerosa disposição e vocação de fazer propaganda política explícita - e não jornalismo sério e honesto. Confirma um pressuposto estabelecido pelo saudoso jornalista - este sim merece ser chamado como tal - Perseu Abramo, que escreveu, em "Padrões de manipulação na grande imprensa", que a "ocultação é um deliberado silêncio militante sobre determinados fatos da realidade. Este é um padrão (de manipulação) que opera nos antecedentes, nas preliminares da busca da informação, isto é, no momento das decisões de planejamento da edição, da programação ou da matéria particular daquilo que na imprensa geralmente se chama de pauta". Em setembro de 2010, a entrevista não era pauta, segundo avaliação da Veja; estranhamente, seis meses depois, alcançou finalmente o status de pauta. 

Perseu continua o raciocínio: "tomada a decisão de que um fato não é jornalístico, não há a menor chance de que o leitor tome conhecimento de sua existência por meio da imprensa". A não ser, claro, que o veículo mude de ideia... É por conta da ocultação, segundo Perseu (e graças ainda aos padrões de manipulação de fragmentação e de inversão), que "a maior parte do material que a imprensa oferece ao público tem algum tipo de relação com a realidade. Mas essa relação é indireta. É uma referência indireta à realidade, mas que distorce a realidade. (...) Daí que cada leitor tem para si uma imagem da realidade que na sua quase totalidade não é real. É diferente e até antagonicamente oposta à realidade". 

Não é de hoje que Veja tem se tornado uma "revista" (mesmo entre aspas, nesse caso dói na alma escrever essa palavra)  cada vez mais dispensável, que briga com os fatos e com a realidade. Melhor mesmo seria recorrer a uma definição frequentemente usada pelo jornalista José Arbex: Veja transformou-se em "um panfleto de quinta categoria". O caso da entrevista de Arruda "não publicada para depois ser publicada" apenas ajuda a reforçar essa máxima.

2 comentários:

  1. nada a declarar otimo post cara!

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  2. Ótima reflexão, Chico!

    Só uma cousa me martela o chifre: Porque devemos levar a sério as denúncias deste semanário com relação a qualquer coisa? Não era melhor ignorar?

    Porque se inventam, e são "invenções comprovadas" como você cansou de descrever nos tuítes e em textos aqui do blog, coisas sobre o governo Lula, por exemplo, porque não "inventaram" também esta entrevista? A personagem entrevistada, convenhamos, não tem lá muita credibilidade para atravessar uma rua, no semáforo, e a gente ir atrás, né?

    Hoje fiz a limpa nos textos...

    Grande abraço!

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