segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

RELAÇÕES QUE OS BRASILEIROS ESTABELECEM COM A CIÊNCIA NACIONAL

A ciência brasileira vive, nas palavras do ex-ministro Sérgio Rezende, "o momento de maior avanço na história do país". Segundo artigo publicado pela revista britânica The Economist em 8 de janeiro, "entre 2002 e 2008, a participação brasileira nos artigos científicos no mundo subiu de 1,7% para 2,7%. O país é um líder na pesquisa em medicina tropical, em bioenergia e em biologia de plantas. Investe 1% de seu crescente produto interno bruto em pesquisa, o que é a metade dos países mais ricos, mas quase o dobro da média do restante da América Latina. Os cientistas brasileiros estão colaborando cada vez mais com o exterior: 30% dos artigos científicos atuais de brasileiros têm um coautor estrangeiro".

No final do ano passado (mais precisamente na sua edição 331, de 02 de dezembro), a revista Science dedicou reportagem de seis páginas para destacar os trabalhos feitos pelos neurocientistas Miguel Nicolelis e Sidarta Ribeiro, no Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lilly Safra; elogiou ainda o potencial científico da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e da Petrobras. Lembrou a publicação que "os bons tempos estão beneficiando a ciência, também. Entre 1997 e 2007, o número de papers brasileiros em publicações indexadas, avaliadas por pares mais que dobrou, para 19.000 por ano. O Brasil figura hoje em 13º em publicações, segundo a Thomson Reuters, tendo ultrapassado Holanda, Israel e Suíça. Universidades brasileiras formaram duas vezes mais doutores este ano do que em 2001, e milhares de novos empregos acadêmicos foram abertos em 134 novos campi federais".


Mas, se internacionalmente a ciência nacional é cada vez mais respeitada e admirada, quais as relações que os brasileiros estabelecem com as pesquisas e descobertas feitas no País? Pistas importantes dessa conexão são oferecidas pela enquete "Percepção Pública da Ciência e Tecnologia no Brasil", destaque (link para assinantes UOL) da editoria de Ciência da Folha de São Paulo desta segunda-feira, 10 de janeiro.

Patrocinado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e coordenado por Ildeu de Castro Moreira (UFRJ) e por Luisa Massarani (Fiocruz), o trabalho foi realizado entre junho e julho de 2010 e ouviu 2016 pessoas, homens e mulheres, com pelo menos 16 anos de idade, e pertencentes a diferentes faixas de escolaridade (de analfabetos a formados no ensino superior) e de renda. “Os resultados mostram que a população brasileira confia no cientista, acredita que a pesquisa é fundamental, apoia o aumento de recursos para o setor e acha que a ciência traz benefícios para sua vida. Por outro lado, as opiniões não são desprovidas de crítica: há uma consciência dos perigos e limites éticos existentes. Concluímos que a população brasileira tem uma percepção social bastante madura da ciência”, afirmou Moreira, à Agência Fapesp.


De cara, o levantamento revela que 30% dos entrevistados são muito interessados e outros 35% são interessados nos temas de Ciência e Tecnologia (a soma alcança 65%; em 2006, era 41%). O cresscimento é significativo. Para que se possa estabelecer comparações, 9% são muito interessados e 20% são interessados em Política (20% no total em 2006); 36% são muito interessados e 26% interessados em Esportes (47% ao todo em 2006); e, quando o assunto é Religião, a enquete mostra que 42% são muito interessados e 32% são interessados no assunto (soma igual a 57% em 2006). Como escreve a repórter Sabine Righetti, autora da matéria da Folha, "não é só por bola de futebol que o brasileiro se interessa, mas também por pipetas e microscópios".   

No ranking das demandas temáticas, a área de Saúde aparece disparada em primeiro lugar, citada por 30,3% dos entrevistados; em seguida vêm Informática e Computação (22,6%), Agricultura (11,2%), Engenharias (8,4%) e Ciências Biológicas (6%). Com exceção da naturalmente super campeã Saúde, graças aos benefícios cotidianos visíveis e palpáveis que é capaz de oferecer à sociedade (remédios, vacinas), a lista chega a representar surpresa. Assuntos considerados mais "áridos, herméticos e duros", ligados às Ciências Exatas e Biológicas, surgem bem na frente de outros que normalmente são citados como mais "atraentes e palatáveis", associados às Humanidades. As Ciências Sociais ocupam o nono lugar do ranking (3,7%), pouco à frente da História (3,3%).

Quando o interesse por Ciência e Tecnologia se transforma em busca por informações, os resultados são também animadores: 25% dizem se informar muito a respeito das novidades na área. As fontes são diversas: 19% se pautam pela televisão, 5% preferem o rádio, 14% acompanham o noticiário específico nos jornais, 13% buscam os relatos nas revistas, 10% se apóiam nos livros, 13% recorrem à internet, 11% se valem de conversas com amigos e 2% participam de manifestações sobre ciência e tecnologia. O cenário parece ser positivo e promissor também para os jornalistas especializados no tema, já que 52,1% dos entrevistados se dizem satisfeitos com o noticiário de TV a que têm acesso, 16,9% estão parcialmente satisfeitos e 20,8% (percentual representativo) se mostram insatisfeitos. Os números são praticamente os mesmos no caso dos jornais. De maneira geral, considerados novamente os meios TV e jornal, as críticas à cobertura jornalística se concentram em cinco aspectos principais: o número de matérias é pequeno; as matérias são de má qualidade; é difícil entender as matérias; a cobertura é tendenciosa; são ignorados os riscos e os problemas que a aplicação da ciência pode causar.

Como se vê, se há razões efetivas para efusivas comemorações, os números acima indicam de maneira cristalina que os jornalistas que atuamos no segmento temos ainda uma longa caminhada, da formação profissional à qualificação permanente, passando pela ampliação e diversificação dos canais de divulgação, para que possamos melhorar e enriquecer gradativamente as narrativas que construímos sobre as aventuras da ciência. Penso que o desafio mais instigante está não apenas em traduzir esse mundo ao leigo, mas em interpretá-lo e contextualizá-lo, para que ganhe sentidos e significados, de forma a aguçar permanentemente a curiosidade do público. A ciência, afinal, é feita por curiosos (pesquisadores) para curiosos (sociedade, público leigo), e as histórias que produz são mediadas por um terceiro grupo de curiosos (os jornalistas). O jornalista Vinicius Romanini, no livro "Formação e informação científica", organizado por Sergio Vilas Boas, escreve que “os jornalistas de ciência devem compreender os conceitos principais dos temas que cobrem, adquirir um pouco do jargão usado pelos cientistas e, também, conhecer bem os bastidores da política acadêmica e científica”.

Para além dos limites do jornalismo, o levantamento feito pelo MCT traz outras constatações a lamentar. Apenas 8,3% dos entrevistados têm o costume de visitar museus ou centros de ciência; só 28,7 frequentam bibliotecas; 17,9% conhecem alguma instituição científica (as mais citadas foram Instituto Butantan e Fundação Oswaldo Cruz) e somente 12,2% conseguem citar o nome de algum cientista brasileiro importante (Oswaldo Cruz, Carlos Chagas e Vital Brazil, nessa ordem, foram os mais lembrados).

Tais resultados, ao mesmo tempo animadores e preocupantes, confirmam que a ciência brasileira é feita de avanços e de recuos, de vitórias incontestes e de lacunas dramáticas. Marcada por complexas contradições, dialoga com maturidade com o conhecimento de ponta e com estudos localizados na fronteira do conhecimento, ao mesmo tempo em que ainda não foi capaz de resolver problemas superados por nações desenvolvidas na virada do século XIX para o XX.

Na consolidação de uma cultura científica, o jornalismo científico é ferramenta fundamental, mas não suficiente. A tarefa de divulgação é bem mais ampla e envolve escolas, bibliotecas, museus, viagens, intercâmbios, exposições, filmes de ficção e documentários, peças de teatro, políticas públicas agressivas e articuladas de formação de recursos humanos e investimentos em infra-estrutura, que superem as barreiras do regionalismo, combatam preconceitos, espalhem a ciência pelo Brasil e democratizem de fato o conhecimento. É preciso sobretudo sedimentar a alfabetização científica, que atua em três dimensões: consolida e populariza conceitos (o que é DNA?), explica mecanismos (como a ciência funciona?) e estabelece relações dos impactos cidadãos dos avanços científicos com nosso cotidiano (para que serve?).

O neurocientista Miguel Nicolelis, em entrevista publicada pelo Estadão no último domingo, ressaltou o momento excepcional vivido pelo País e os avanços alcançados no governo Lula, mas lembrou que a ciência no Brasil ainda "é uma atividade extremamente elitizada. Não temos a penetração popular adequada nas universidades. Quantos doutores são índios ou negros? A ciência deve ir ao encontro da sociedade brasileira. Há bem pouco tempo, a ciência ainda era uma atividade da aristocracia brasileira".

Contrariando minhas expectativas (admito que critiquei a nomeação dele, por imaginá-lo um peixe fora d'água, sem qualquer ligação com a comunidade científica, e porque talvez estivesse recebendo um prêmio de consolação por serviços recentemente prestados ao PT), o ministro Aloisio Mercadante vem dando sinais animadores de que está atento a esse cenário. Obviamente que é preciso considerar que o governo tem apenas dez dias e que muita água ainda vai passar por essa ponte. Mas o o novo ministro foi certeiro nas indicações para cargos estratégicos do MCT (Glauco Arbix, Carlos Nobre, Marco Antônio Raupp, Glaucius Oliva). Em entrevista ao Estadão, apontou a necessidade de transformar a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) em um banco de fomento e reforçou que "a prioridade será investir em recursos humanos". Ao Valor Econômico, disse que pretende estimular a "ciência sustentável". 

Todos os esforços devem convergir para fazer do acesso democrático à ciência e à tecnologia um direito universal, a ser exercido cotidianamente, assim como estabelece a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que em seu artigo 27 diz que "todo homem tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do progresso científico e de fruir de seus benefícios".

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